quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O QUE ACONTECERIA SE...?

Por João Anatalino – Mogi das Cruzes/SP
Advogado, professor e escritor
Um Irmão plugado na vida...

Conformidade é um pais que fica além do horizonte dos nossos olhos e próximo à fronteira dos nossos hábitos. Lá, até a algum tempo atrás, todas as pessoas, desde a mais tenra idade eram obrigadas a carregar um saco de pedras nas costas. Assim que começavam a andar e conseguiam se sustentar nas próprias pernas, os habitantes de Conformidade recebiam um saco de pedras para carregar, e na medida em que iam crescendo, o saco também era aumentado em tamanho e peso.
Carregar um saco de pedras nas costas era uma lei existente em Conformidade e ninguém jamais ousara contestá-la. Naturais e estrangeiros, indistintamente, tinham que cumpri-la, pois sua desobediência era punida com a pena de morte. Ninguém sabia mais quando, por que e por quem foi promulgada essa lei, mas era certo que a tal lei era tão antiga que as crianças em Conformidade já nasciam com uma postura encurvada e uma enorme calosidade nas costas, de sorte que o país passou a ser conhecido como a terra dos corcundas.
Tudo estava em bem até o dia em que um desconhecido chegou ao país. Era noite e todo mundo estava dormindo no posto alfandegário da fronteira. Como ninguém o parou, o desconhecido entrou no país e saiu em busca de um hotel. Era quase manhã quando ele chegou à cidade mais próxima. A primeira pessoa que o avistou saiu correndo apavorada. A segunda soltou um grito de terror. A terceira olhou para ele com espanto. A quarta com desprezo. A quinta chamou a polícia. Em menos de uma hora o estrangeiro tinha sido preso, amarrado como um escravo fugitivo e levado perante a um colérico e atônito tribunal, cujos juízes pareciam não acreditar no que viam: uma pessoa andando pelas ruas do país sem um saco de pedras nas costas!
Ciente do seu crime, ao estrangeiro foi concedido o direito de dizer algumas palavras em sua defesa. Isso era praxe em Conformidade, pois seu ordenamento legal não admitia que ninguém fosse condenado sem que pelo menos tentasse provar sua inocência. Embora cientificado de que nada do que pudesse dizer poderia justificar a enormidade do seu crime, o estrangeiro levantou-se e disse: “Senhores Juízes, bem sei que a ignorância da lei não exime o criminoso da pena que lhe é cominada pelo seu descumprimento. Sinceramente, eu não sabia dessa lei que existe em vosso país, que os obriga a carregar, desde que nascem, pela vida toda, um saco de pedras nas costas. Não me rebelo contra essa lei por que sei que elas são feitas para serem cumpridas. Só vos peço que me esclareçam uma coisa, para que eu não sinta que morri em vão: qual é o objetivo dessa lei e qual o bem que ela visa tutelar?”
Os juízes olharam uns para os outros, surpreendidos com a pergunta. Passados alguns minutos, o que parecia ser o presidente do tribunal respondeu: “Não sabemos. Essa lei é milenar e todos a cumprimos sem jamais questionar. O que isso importa? Como tu mesmo disseste, as leis são feitas para serem cumpridas. Se essa lei existe, alguma razão deve ter e nós não podemos desobedecê-la.”
“O que aconteceria se ela fosse desobedecida?” perguntou o estrangeiro? Novamente os juízes se entreolharam e ninguém foi capaz de dar uma resposta.
Bem, para encurtar a história, o estrangeiro foi condenado e sua pena foi executada. Mas no dia seguinte um dos juízes escreveu ao rei e ao Parlamento perguntando por que os habitantes de Conformidade deviam carregar, desde que nasciam, pela vida toda, um saco de pedras nas costas? Nem o rei e nem os membros do Parlamento souberam responder A questão era que o juiz que a formulou perdera o emprego. Ninguém mais o vira. Mas não demorou muito para que a maioria dos habitantes de Conformidade também começasse a se perguntar: o que aconteceria se essa lei fosse derrogada?
Hoje, quem for à Conformidade encontrará um povo que caminha ereto e as costas de suas crianças não mais apresentam nenhuma calosidade quando nascem. E toda vez que alguém diz a um habitante do país o que ele deve ou não deve fazer alguma coisa, ele pergunta: o que aconteceria se ….?
Aliás, o país mudou de nome. Chama-se agora Horizonte Infinito e é conhecido como a terra das infinitas possibilidades.
Uma colaboração de:
José Carlos Ramires

2 comentários:

José Carlos Ramires disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
João Machado Neto disse...

Falou Zé, muito bom... Gostei...