A
MÍSTICA DA PEDRA
De
João Anatalino – no livro “Conhecendo a Arte Real”
Editora
Madras – Ed. 2007, pg. 41
Aquilo que acontece no coração dos maçons que
descobriram o verdadeiro significado da Arte
Real é comparável ao que acontece no espírito dos alquimistas e dos
modernos cientistas. Há uma transformação qualitativa de caráter e um desvelar
de visões que lhe permitem “ver” e sentir melhor o mundo em que vivem. É
possível perceber o conjunto no qual se circunscrevem e qual é sua posição
relativa em face a ele. Melhor ainda, é possível perceber qual a sua exata
configuração nesse todo e sua função em um domínio que, ele agora sabe, também
se compõe em razão das suas atitudes.
Quando ele tem essa visão de conjunto e essa
sensação de pertencimento, então descobre o verdadeiro significado da palavra Fraternidade. E aí ele saberá por que
está ali e por que um dia ele quis ser um maçom.
Mas esse é um processo que se cumpre no coração e não na razão.
O triunfo da máquina sobre a mão do homem, na
confecção de obras materiais, eliminou da cultura humana a tradição de
sacralizar os ofícios. Perdido o elo que ligava a mente à matéria, o homem não
soube mais como lhe tirar obra de criação. Se antes, pelo labor das mãos, ele
podia se sentir um deus, no sentido de que também criava, agora suas criações
eram apenas mentais e a execução se processada por meios mecânicos, sem aquela
interação mente-matéria que possibilitava ao antigo artesão a realização
espiritual pelo trabalho. Assim, a sacralização do ofício, de operativa, passou
a ser meramente especulativa.
Milênios passam, as civilizações desapareceram; o
tempo tudo devora, as próprias obras confeccionadas pelo homem são consumidas;
mas das construções humanas, as que mais resistem são as habitações que ele faz
para seus deuses e para seus próprios restos mortais. De todas as grandes
civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus
cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver
eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte Real, já que nelas o que se imprime
é uma imagem vinculada à ideia de imortalidade, só atribuída aos deuses e ao
espírito do homem.
Com efeito, pouco resta dos grandes palácios erguidos
para usufruto dos potentados humanos, e das casas onde residiram os seus
construtores. Mas as ruínas dos grandes templos da antiguidade e as majestosas
tumbas erigidas para o sepultamento dos seus restos mortais ainda testemunham a
magnitude da inteligência dos maçons daqueles tempos.
As primeiras formas de construção produzidas pelos
grupos humanos foram as palafitas,
casas de madeira erguidas nas margens dos rios. Em seguida, foram empregadas as
pedras, primeiro em sua forma bruta, depois as trabalhadas. A edificação com
pedras brutas marcou o início da estabilidade do homem sobre a terra, pois
representou o despertar do seu sentimento gregário, sentimento esse marcado
pela sua fixação em certo meio ambiente. Já a construção com pedras trabalhadas
lhe deu uma identificação no meio daquele ambiente, pois a partir daquele
momento o mundo ficara impregnado de algo que ele criara pelo lavor das
próprias mãos.
A pedra sempre foi para o homem um objeto de
estranhas propriedades. Nele ele podia sentir um grande poder de resistência,
durabilidade e maleabilidade, pois ela, além de poder assumir todas as formas
fabricadas pela natureza, também parecia ser perene e resistir a todas as
intempéries. Trabalhá-la, dando-lhe formas úteis e agradáveis à vista,
tornou-se um ritual à mente no qual se associava à matéria para criar o
Universo real. Nas pedras se cultuavam os deuses, nelas eram escritos seus
mandamentos; nelas também se eternizava a memória dos entes queridos e a beleza
das formas do gênero humano; com elas também se faziam as muralhas que serviam
de defesa para as cidades e algumas espécies de pedras faziam a riqueza de
muitos homens.
O culto à pedra sempre esteve presente nas tradições
dos povos desde o início dos tempos. Nada estranho, portanto, que ela tenha
sido escolhida para simbolizar a metafísica fundamental da prática maçônica. O
Aprendiz, por trabalho de conscientização interior, transforma-se em uma pedra
lavrada. Desbastado de suas asperezas, aparecerá como uma obra de lavor que
estará em condições de integrar-se ao edifício universal que é a Maçonaria,
aquela Maçonaria que, segundo Ramsay, “é uma grande República, da qual cada
Nação é uma família e cada indivíduo, um filho”.
Da mesma forma que o Aprendiz, é essa pedra bruta que precisa ser lavrada para
adquirir a personalidade desejada, o Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o material que foi trabalhado e
transformado pela iniciação dos Mistérios Maçônicos. Simboliza, na evolução da
sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera
aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização
social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo
civilizatório. Esse processo está registrado na história humana mediante a
construção de edifícios com materiais já mais elaborados, como a pedra lavrada
e os tijolos queimados.[1]
A pedra, sendo um produto em que a natureza concentra
um grande potencial de forças telúricas, é o que mais se presta ao trabalho de
arte sacra. Por isso é que a ela se associa, feralmente, a um ritual, uma
prática de sentido esotérico. Assim faziam, por exemplo, os antigos cortadores
de pedra medievais, que, no decurso de seus trabalhos diários, recitavam preces
e executavam batidas rituais com seus instrumentos de trabalho, para atrair os
bons influxos para o indivíduo e para a comunidade. Para muitos místicos, a
pedra é um ser vivo cheio de energia, a energia que eles chamam lápidus. Essa energia estaria na origem
da vida, já que, segundo eles, a vida orgânica teria se originado a partir das
transformações sofridas pela matéria bruta. Daí o imenso simbolismo contido nas
diversas espécies de pedras. O mármore, como representativo da morte, o granito
como símbolo da força, nas pedras dos rios a ideia de evolução, no quartzo e
nos cristais a inspiração artística e o êxtase divino, etc.
Não é sem razão também que os alquimistas
simbolizavam em uma pedra a essência da sua “Obra”. A pedra filosofal era um preparado químico que conteria a alma da
natureza, capaz de transmutar metais simples em outro. De alguma forma, também
a mística oriental se vale do simbolismo da pedra para representar a busca da quietude,
do equilíbrio e da serenidade, que está na postura do iogue[2]
“petrificado”.
Um dos mais marcantes exemplos de trabalho na pedra
nos foi dado por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o maior escultor
brasileiro do período colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra sabão, que
enfeitam as igrejas mineiras, mostram bem a excelência do maçom operativo que
atingiu a plenitude espiritual através da técnica operativa. No trabalho
daquele genial artista é possível “ler” a mensagem maçônica expressa nos
gestos, nas feições, na forma e nas medidas que a sua obra foi composta.
Jean Palou, citando P. Sébillot (Légendes et Curiosités
dês Métiers – Lendas e Curiosidades dos Mestres) diz que “é interessante
observar que ‘machados de pedra polida’ (são) colocados debaixo das fundações
em várias regiões da França” (...) mormente quando se sabe que na maçonaria a
pedra cúbica em ponta, que representa o companheiro, é muitas vezes feita na
forma de um machado, sendo este instrumento próprio da Maçonaria Florestal,
simbolizando o fogo purificador e sendo um dos atributos de São João, sob cujo
patrocínio são colocadas as Lojas maçônicas.
Esse é um bom exemplo da mística da pedra e suas
implicações no simbolismo da Maçonaria. Tudo começa na pedra, como na natureza.
A partir daí, há um longo trabalho iniciático que envolve a iniciação,
preparação, aperfeiçoamento e acabamento. É preciso não perder de vista esse
processo, se quisermos, realmente, entender a Arte Real.
Preparado por
José Carlos Ramires
12 de abril de 2016
[1] Se, por um lado, nas construções feitas pelos antigos
povos do Egito e da Palestina eram utilizadas principalmente pedras, nas
construções feitas pelos povos que habitavam os vales do Tigre e do Eufrates,
região conhecida como Mesopotâmia, o material utilizado foi o tijolo cozido.
Veja, por exemplo, a descrição feita na Bíblia sobre a construção da Torre de
Babel. No Egito, utilizava-se, e muito, o tijolo feito de barro misturado com
palha de trigo; porém, na maioria das grandes construções, o material era a
pedra, uma vez que esse material era, e ainda é, muito abundante na região.
[2] Termo que significa o praticante de ioga; ioguim
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