segunda-feira, 21 de abril de 2008

UM CORPO QUE CAI...


Horas antes... Uma menina de cinco anos num carrinho. Um pai. Uma mãe. Uma criança, um menino, filho do casal, que de tão novo no colo carregado era. E mais uma criança pequena de três anos, também filha de ambos. Um carrinho de supermercado, um supermercado paulistano e a menina no carrinho sendo levada. Curtos momentos gravados para a eternidade. Um cenário, um cenário corriqueiro. Uma passagem breve, de breves momentos vividos e gravados num filme digital de uma câmera de segurança. Um breve momento de atividades normais de uma família. Compras em supermercado de produtos e guloseimas para o lanche da noite, quem sabe? Breves momentos de um sábado à noite de volta ao lar de uma visita aos pais e sogros deste casal. Uma família normal como qualquer outra de uma cidade grande, de uma metrópole, nomes anônimos numa noite paulistana de outono. Um outono que prenuncia um inverno sem vida e uma primavera interrompida. Nem nomes, nem nada, uma simples gravação. Os vigilantes de segurança, treinados e atentos, nada percebem, atividades normais de uma família normal.
Horas depois...Noticiários em rede. Histeria. Programas sensacionalistas onde, das misérias e tragédias alheias, se fazem concurso da melhor divulgação e furo de reportagem. O que aconteceu? Dizem uns: - Uma menina caiu do 6º andar do prédio! Uma menina caiu do prédio, lá do alto! Mas que família descuidada! Que tragédia! Pais irresponsáveis! Onde já se viu!
Mais tarde... Nomes. O pai, Alexandre. A menina, cinco anos, Isabella. A mãe, Anna Carolina. Mãe não! Madrasta! Que choque! A todos este nome soa como uma uma coisa má. Essa mãe é uma madrasta!... Como se madrasta não pudesse ser simplesmente a mulher do pai, que por intermitências da vida, a verdadeira mãe de Isabella não é. É a mãe que cuida da filha do marido, nos finais de semana destinados à convivência paterna, como direito natural de pais separados por casualidades normais da vida. Da vida... Que vida, que inferno virou. Correrias, gritos talvez, choro não sei, não vimos, mas também não podemos julgar. O que aconteceu? Que momentos intermitentes e desconhecidos puderam provocar ou propiciaram tal tragédia? E veja-se a ironia do destino. A verdadeira mãe também se chama Ana Carolina, com um única diferença: Ana com um só ene.
De volta ao supermercado... Nada de estranho. O pai empurrando o carrinho com Isabella dentro. Anna Carolina com seu filho pequeno no colo e com uma das mãos conduzindo a menina Isabella. Nada de estranho, nada diferente ou suspeito. Num momento do filme, a menina procura e pega na mão da madrasta para caminhar. Normal. Nada que chame a atenção.
Depois de mais tarde... Na TV, depoimentos. Nos jornais, detalhes da tragédia. Notícia. Em depoimento: pai desce do carro no estacionamento carregando a pequena Isabella no colo e a deixa em seu quarto. Desce para buscar objetos e coisas compradas e ajudar e acompanhar a esposa em subir ao apartamento com os outros dois filhos. Surpresa! Onde está Isabella? Tragédia! O que de fato aconteceu? Ligações telefônicas. Vem a polícia, primeiro a militar, que mais perto estava, quinze minutos após a descoberta do corpo, ainda com vida segundo depoimento do policial entrevistado. Curiosos chegando, querendo saber do ocorrido. Porteiro. Moradores, todos descem. Muito movimento de pessoas. Com certeza muitas pistas, indícios e evidências importantes foram mascaradas e perdidas. Nestes casos inesperados e ainda insuspeitos, o que ocorre é um descuido total pela preservação do local ou dos locais do crime. O momento mais importante é o do primeiro contato com o fato. Não pode e não deve haver interferência humana externa ao ambiente do crime ainda não estabelecido e revelado. Um caos. Policiais, repórteres, gente comum, transeuntes do prédio. Todos emocionados, comovidos, desesperados e atônitos. Uma verdadeira imperícia técnica. Todos estes fatos, com certeza, servirão de exemplos de tudo de errado e de tudo o que não se deve fazer quando do primeiro contato com o cenário do crime.
Dias depois... Novos fatos. Novas descobertas. Manchas de sangue reveladas por “luminol”, a estranha e mágica substância que detecta sangue, sem que se a veja. Pegadas. Manchas no lençol e no corredor. Menina jogada pela tela de proteção cortada. Cortada com tesoura. De uma mão destra. Sim, destra, não de destreza, mas de mão direita. Novidade? Existe mão direita sim, e a maioria das pessoas usa a mão direita para trabalho e manuseios. Os canhotos são diferentes! Usam a mão esquerda. Novidade.
Tem mais... Na TV, entrevistas com especialistas criminais e peritos autônomos. Depoimentos televisivos de autoridades dando suas versões, dando suas opiniões. Tudo muito estranho, confuso. Parecem todos perdidos. Uma charada... Uma charada a ser desvendada. De um corpo que caiu. De um anjo que caiu do alto do prédio e ao céu voltou. Que do outono de sua vida, antes do inverno, não verá a nova primavera chegar. Só lá do alto, de junto a Deus, dos anjos e santos espíritos, presenciará a miséria da tragédia humana. E do seu pedido em vida, que não gostava de ver sua mãe triste e chorando. Uma mãe tão nova, no vigor de sua juventude, já mãe e agora... E agora o que? Quem perde os pais, fica órfão, ou de pai ou de mãe, ou de ambos. Quem perde o marido, fica viúva. Quem perde a mulher, fica viúvo. Mas, e quem perde um filho! Fica o que? Não se tem um nome. Não há uma palavra que consiga decifrar e definir o sentimento um pai, ou de uma mãe, que perde um filho. Tamanha a tragédia e a perda.
Agora... Um corpo que cai... Uma vida que se vai... Uma tragédia humana... Num mundo de charadas e de enigmas não desvendados... Uma vida perdida nesta vida... Mas talvez uma vida revivida em outra vida... Mais sublime e eterna...

Escrito em 10/04/2008, à noite, com estrito respeito
à dignidade das pessoas e familiares envolvidos...
José Carlos Ramires
jc_ramires@hotmail.com